Em um lugar muito distante, nasce uma menina filha de um rei, a qual recebe o nome de Aurora. Um banquete é oferecido para celebrar o seu nascimento, todas as fadas que viviam ali foram convidadas, cada uma deveria presentear a princesa com um dom especial. Todas, exceto uma, uma fada muito velha que vivia distante de todos, que não foi convidada.
Esta, sabendo que todas as outras fadas tinham sido convidadas para celebrar o nascimento da princesa Aurora, decidiu aparecer na mesma festa, e sentido-se frustrada pela exclusão, em vez de lhe conceder um dom especial á princesa, lançou-lhe uma maldição: Ao completar quinze anos a princesa espetará o dedo no fuso de uma roca de fiar e morrerá. No entanto, faltava ainda uma das outras fadas para expressar seu desejo e, embora não fosse capaz de eliminar totalmente a maldição, consegue transformar o feitiço, fazendo com que a princesa, ao furar o seu dedo, ao invés de morrer caísse em um sono profundo por 100 anos junto com todo o reino.
Este feitiço só poderia ser quebrado ao fim de cem anos, quando um príncipe que por lá passasse se apaixonasse pela princesa e a beijasse.
Preocupado e assustado com o futuro de sua querida filha, o rei tentando evitar o mal lançado á princesa, ordena que todas as rocas de fiar daquele reino sejam retiradas e queimadas. Assim, a princesa cresce linda e feliz sem saber da maldição e nunca ter visto uma roca de fiar.
No entanto, no dia de seu 15º. Aniversário, a maldição se concretiza e a princesa espeta seu dedo na agulha de um fuso e cai em sono profundo.
Após cem anos um jovem e corajoso príncipe de outro reino, que soube da história da Bela Adormecida, viaja até o Castelo onde ela está e consegue atravessar a densa floresta de espinhos que envolvia o castelo e encontra todos os seus habitantes adormecidos. Quando encontra Aurora adormecida, ele imediatamente se apaixona e com um beijo desfaz a maldição.
Ao acordar e olhar para o príncipe, Aurora apaixona-se por ele e o casamento é celebrado com muita alegria e festejos vivendo felizes para sempre.
Reflexões
“A adolescência é uma fase de mudanças grandes e rápidas, caracterizada por períodos de total passividade e letargia, que se alternam com atividades frenéticas e até mesmo com comportamentos perigosos para “por à prova” ou descarregar tensão interna.” (Bettelheim,1976)
Nesse período, da adolescência, ocorrem mudanças físicas e emocionais tanto nas meninas como nos meninos. A passagem da fase da infância para a adolescência pode ser vista simbolicamente como um processo de morte e renascimento, no qual a criança fica no passado para que possa surgir o adulto.
O rei, na tentativa de proteger Aurora contra a maldição, ordena que todas as rocas de fiar do reino sejam retiradas e queimadas. Com isso, Aurora cresce sem saber o significado deste objeto tornando-se vulnerável, pois sem conhecer esse objeto e qual sua função se expõe aos riscos de maneira ingênua e fura seu dedo na agulha afiada.
Este trecho do conto nos traz importantes reflexões sobre a maneira que os pais lidam com seus filhos, muitas vezes superprotegendo-os e outras abandonando-os emocionalmente. Essas duas atitudes são inadequadas, pois trazem comprometimentos no desenvolvimento normal da criança, uma pelo excesso e a outra pela falta. (Byington, 2004)
Os pais de Aurora com a intenção de “livrá-la de todo mal” não lhes dão subsídios para que ela possa perceber os riscos que algumas situações oferecem.
São vários os riscos que os adolescentes se expõem, buscando provar sua jovem masculinidade e feminilidade. Com pais próximos afetivamente que possam prepará-los e orientá-los para tais experiências, esse período tão intenso pode ser vivido de maneira mais segura e menos traumática. Enfrentando e superando os obstáculos típicos desse período, o adolescente gradativamente constrói sua autoconfiança e aprende a lidar com a frustração de forma adequada.
Nos contos de fadas esses perigos e riscos são simbolizados por bruxas, dragões, animais ferozes, florestas densas envolvidas por espinhos e até mesmo por uma roca de fiar, como neste conto.
Simbolicamente pode-se considerar um trauma o fato de Aurora furar seu dedo na roca de fiar e cair em sono profundo. D.Kalsched, analista e membro do corpo docente do C.G. Jung Institute, em Nova York, afirma que indivíduos que sofreram experiências traumáticas precocemente, com frequência se refugiam em seus mundos interiores, os quais são infantis, ricos em fantasias, porém com aspectos tristonhos e melancólicos (O mundo interior do trauma – defesas arquetípicas do espírito pessoal, 1996).
Neste momento a maldição se instaura e Aurora cai em sono profundo. O sono da princesa sugere uma fuga do mundo externo para o seu mundo interno, onde permanece estagnada, passiva e inconsciente por muito tempo, só despertando com o beijo do príncipe.
Quando Aurora acorda e realiza o casamento com o príncipe, troca a dependência em que viveu até os 15 anos com seus pais, (sendo seu pai um rei onipotente que através da superproteção, impede que sua filha viva experiências importantes para seu desenvolvimento) pela dependência do casamento. A princesa que desperta depois de 100 anos é provavelmente imatura, pois seu processo de desenvolvimento foi paralisado em função da realização da maldição.
Conclusões:
No conto, quando a 13a. fada lança a maldição sobre a princesa, nos é oferecido um importante material de reflexão:
1. A superproteção pode dificultar, e muito, o processo de desenvolvimento do adolescente. No conto vemos isso quando o rei ordena que todas as rocas de fiar sejam retiradas e queimadas.
2. O adolescente pode se sentir impotente diante de riscos e obstáculos, por desconhecimento e falta de orientação e, com isso, permanecer em um estado de passividade e estagnação esperando que algo ou alguém venha lhe salvar. Isso é retratado quando Aurora vê pela primeira vez uma roca de fiar e desconhece totalmente o seu significado furando seu dedo, adormecendo, e só acordando e sendo “salva” com a chegada do príncipe.
3. No conto Aurora fica exposta aos riscos, sem a possibilidade de fazer escolhas por ter sido negado a ela o conhecimento do que era uma roca de fiar. Constatado que nesse período o jovem ainda não está maduro o suficiente para fazer escolhas tão conscientes, deve-se orientar e facilitar esse processo.
4. Ao desobedecer normas pré-estabelecidas pela sociedade podemos sofrer punições (maldições). Isto aconteceu com a princesa Aurora ao acessar “objetos” proibidos daquele reino, sofrendo a punição de permanecer adormecida por 100 anos junto com todo o seu reino.
5. É fundamental no processo do adolescente a substituição do vínculo de dependência simbiótica com os pais da infância por relações objetais de autonomia plena. (Osório, Luiz Carlos, 1989, pág. 12);
(Deixo claro, que meu objetivo não é esgotar as possibilidades dos contos de fadas, nem limitar, mas, antes ampliar e estimular pontos valiosos.)
Adriana Politi | Psicóloga Clinica | Casa de Psicologia
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