Esse conto aborda, do ponto de vista feminino, uma forte interpretação psicológica em relação à maturidade da mulher.
Era uma vez um homem e uma mulher que havia muito desejavam ter filhos, mas nunca tinham conseguido. Desta vez, finalmente, a mulher estava esperançosa. A jovem esposa se aproxima de sua janela e vê, não por acaso, um fértil jardim. O jardim aparece muitas vezes, como símbolo de um desejo puro de alguma ansiedade. A janela significa abertura, novas perspectivas e receptividade. A esposa a partir dessa visão cobiça os vegetais do jardim da propriedade vizinha, em especial os rapôncios, que simbolizam a fertilidade da unidade fundamental da vida. No entanto essa propriedade pertence a uma bruxa. O marido, para satisfazer a mulher, propõe-se colher a planta, mas, para isso, precisa ultrapassar um muro muito alto e invadir sorrateiramente estas terras. Esse muro simboliza a cinta protetora que encerra um mundo e evita que nele penetrem, sendo um símbolo de fronteira e separação, estabelecendo um limite e uma proibição. Assim, para resolver essa situação difícil, é preciso que o marido enfrente e vença esse obstáculo. É através do desejo da mulher de comer os rapôncios que o aspecto masculino entra em ação. Ao transpor o muro o homem está transgredindo uma norma e é punido pela transgressão. Seu castigo é determinado pela bruxa, o equivalente encantado do elemento repressor. O castigo atinge a todos na família, tanto os pais como a filha. Por isso, Rapunzel está fadada ao isolamento na torre, afastada do convívio social de modo a preservar-se dos perigos e contato com os outros, desta forma é direcionada para um movimento de superproteção, que pode comprometer seu desenvolvimento emocional. Rapunzel vive supostamente protegida em condições de elevação, no alto da torre, mas, no entanto permanece distante da realidade do mundo real.
Somente através de sua longa cabeleira trançada, que a menina mantém contato com o mundo externo, no entanto, esse contato se dá unicamente pela bruxa. Seus cabelos como raízes, ligam-na fortemente à terra, símbolo de sua origem, e servem de canal para a comunicação com o exterior, mas esse contato se dá parcialmente, causando distorções e a mantendo num mundo irreal.
Ela está aprisionada pelas suas próprias tranças que simbolizam uma tentativa de não permitir que sua sensualidade se expresse naturalmente. Os cabelos que formam a trança são uma prova e um meio de força viril e vital, mas estão bloqueados.
Essa condição se mantém durante a infância e início da puberdade de Rapunzel. Mas, à medida que os anos passam e a menina cresce, ela começa a cantar. E seu canto é a expressão do desenvolvimento de sua sexualidade, funcionando como um chamado, um meio de sedução, assim Rapunzel atrai o príncipe. O relacionamento entre eles se desenvolve gradativamente, do medo à segurança, acompanhando o crescimento interior de Rapunzel. No momento em que ela se sentisse preparada para a vida adulta, seguiria com o amado em seu cavalo, representação simbólica da força da juventude, da valorização tanto sexual quanto psíquica. Sairia, então, do isolamento para a vida a dois. Entretanto, como a moça ainda não amadureceu o suficiente, talvez pelo aspecto da superproteção, o projeto dos jovens é interrompido. A sua ingenuidade a leva a revelar à feiticeira, que a mantém cativa, o segredo de seu envolvimento com o príncipe. Ao comparar o peso dos dois, Rapunzel sente que a bruxa é pesada, um fardo difícil de carregar, simbolizando uma mãe controladora, por outro lado o príncipe é leve, seu convívio lhe dá prazer e simboliza liberdade.
O corte das tranças é o rompimento com a infância e o passado e a instauração de uma nova vida, em que a personagem deve assumir-se sozinha, na aridez do deserto, em oposição a fertilidade do jardim no qual nascerá. Esse corte representa a libertação de Rapunzel, mas ele ocorre de maneira abrupta, como um castigo, pelo fato de Rapunzel ter transgredido as determinações da bruxa e a enganado.
Para o príncipe, o afastamento da amada implica na perda da visão, isto é, da percepção e da recepção de luz, em planos físicos e espirituais. Não é à toa que ele vaga pela floresta. Sua vida perde o sentido e só vai readquiri-lo quando reencontra Rapunzel. Pode-se considerar que neste período o príncipe estava afastado do aspecto feminino de sua personalidade. É necessário um longo período de amadurecimento, em que as personagens se estruturam como seres humanos plenos, para que elas possam vivenciar uma relação adulta. Esse processo se torna mais árduo, neste conto, pois os agentes facilitares, que deveriam ser os pais e a bruxa, retardam esse processo, com atitudes super protetoras e de punição.
Entretanto, ao final, o conto transmite aos jovens uma visão otimista de mundo, garantindo-lhes que atingirão a idade adulta, na medida em que assumirem seus próprios atos e procurarem relacionar-se com os outros de maneira equilibrada e segura.
Reflexões relacionadas ao conto e a adolescência
1. Como o medo e a insegurança dos pais podem ser projetados nos filhos por atitudes super protetoras, interferindo no processo de independência e maturidade do jovem.
2. Como a punição e a repressão contribuem para o distanciamento do adolescente das relações familiares direcionando-os, muitas vezes, para um lugar árido e solitário como o deserto.
3. A importância da elaboração do processo de separação, estabelecendo um padrão no jovem de luta/fuga com as gerações precedentes.
Referência: Rapunzel/ Jacob Grimm/Whilhelm Grimm. Coleção Era uma vez (1985) – Contos Maravilhosos, infantis e domésticos. Jacob e Wilhelm Grimm.
Adriana Politi | Psicóloga Clinica | Casa de Psicologia
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