Microbiota e auto-imunidade: não tenha medo de sujar o bebê | Mamis na Madrugada

Você, pai ou mãe, é do tipo que:

(1) manda todos que querem segurar o seu bebê limpar as mãos com álcool em gel, ou

(2) dos que limpam a chupeta na camisa suja após pegá- la do chão?

Um artigo que saiu na CELL este mês indica que talvez seja melhor agir como no caso 2. Segundo a hipótese da higiene, a exposição a patógenos logo no início da vida (nos primeiros anos) pode ser benéfico para educar e desenvolver o sistema imune. Dados epidemiológicos de décadas atrás já indicavam que em países mais “limpos” como Suécia, Finlândia e Alemanha, os casos de crianças que desenvolviam mais tarde asma, rinite, alergias e doenças auto-imunes (como Diabetes tipo-1) estava aumentando. E ao mesmo tempo, graças aos antibióticos e vacinas, o número de infecções tendia a diminuir.


Esse gráfico sugere que quanto menor o “contato” com patógenos de uma população maior a incidência de doenças auto-imunes e alergias. E, estudos feitos comparando pessoas de um país com as que emigraram para um outro país menos ou mais “limpo” (e até entre crianças da Alemanha Oriental e Ocidental após a queda do muro de Berlim), demonstram que fatores genéticos não podem explicar sozinhos essa tendência.

A idéia de que essa “sujeira” (microorganismos, patogênicos ou não) pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento de doenças auto-imunes e alergias foi testada nesse lindo trabalho da CELL. Nele, pesquisadores analisaram o microbioma das fezes de 222 bebês da Estônia, Finlândia e Rússia em seus primeiros 3 anos de vida. Primeiro, eles garantiram que os bebês dos 3 países possuíam distribuições similares de HLAs associados com risco maior de doenças auto-imune, alergias e diabetes tipo-1. Depois, ao analisar o microbioma de 1.584 amostras de fezes, eles notaram que espécies de Bacteroides eram muito abundantes em bebês da Finlândia e Estônia, mas pouco em bebês russos. E também mostraram que o LPS desses Bacteroides (do qual o mais diferencialmente abundante foi o B. dorei) não era capaz de fazer com que células mononucleares do sangue produzissem citocinas como IL-10, IL-6, IL-1b e TNFa. Coisa que o LPS de E. coli faz muito bem.

Para fechar com chave de ouro, eles testaram se a supressão do sistema imune causada pelo LPS de B. dorei (mais abundante na Estônia e Finlândia) era relevante para o desenvolvimento de uma doença auto-imune. Para isso, eles usaram o modelo de camundongo para diabetes tipo-1 chamado NOD (non-obese diabetic). Quando o camundongo era injetado com LPS de E. colihavia um atraso no aparecimento e redução da incidência da doença (níveis sanguíneo de glicose). Se no lugar deste LPS, fosse injetado o LPS de B. dorei não havia nenhum atraso e nem diminuía a incidência do diabetes. Esses resultados sugerem que a exposição ao LPS de E. coli (que induz uma forte resposta do sistema imune, ao contrário do LPS de B. dorei) pode modular a resposta do sistema imune e, de certa forma, proteger do aparecimento de doenças auto-imunes.

É como se as E. coli no intestino dos bebês estivessem educando e treinando o sistema imune. Porém, Bacteroides poderiam inibir este aprendizado e isso pode, como consequência, atrapalhar o desenvolvimento do sistema imune. Portanto, pais e mães, se o seu bebê não for imuno-comprometido, não sejam tão paranoicos com a “limpeza”.

Helder Nakaya | Professor de Farmácia da USP

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