Devo pagar mensalidade escolar durante suspensão ou EAD? | Mamis na Madrugada

Eu sou obrigado a pagar a mensalidade escolar diante da suspensão das aulas ou da oferta de aula via EAD, em decorrência da crise provocada pelo covid-19? Como ficam as mensalidades escolares e universitárias, neste caso? 

Neste artigo falarei quais são as propostas de soluções sobre a oferta de ensino, diante da crise do COVID-19, que as instituições de ensino têm adotado, bem como sobre os casos em que existe a possibilidade de negociação de um desconto ou cancelamento do contrato com o estabelecimento de ensino, em função do serviço de ensino/aprendizagem não ofertado.

Nestes tempos da pandemia da COVID-19 e com suspensão das aulas em escolas e universidades, muitos pais e alunos de instituição de ensino têm se indagado e questionado as escolas, se teriam que pagar as mensalidades escolas ; ou se a escola não teria que dar um desconto, uma vez que está fechada.Há um dilema muito complexo nesta situação, pois, de um lado temos famílias que são constituídas de profissionais liberais e autônomas e que se viram, de uma hora pra outra, com a renda diminuída ou suprimida, ou até mesmo foram demitidos e, de outro lado, as escolas do Brasil foram obrigadas a suspender as aulas presenciais, por conta de decretos estaduais, sendo que somente algumas destas instituições de ensino puderem oferecer ensino à distância (EAD).

Algumas escolas, antes do Governo se pronunciar a respeito, resolveram conceder descontos de 15% a 50% do valor das mensalidades. Alguns Estados fizeram Projetos de Lei, que abaixo demonstrarei, que sugeriam que os estabelecimentos de ensino concedessem até 30% de desconto para os alunos, enquanto que o Governo da União, por meio de uma Nota Técnica nº 14/2020 do Ministério da Justiça e Segurança Pública Secretaria Nacional do Consumidor Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado apontou outros caminhos que sugerem serem utilizados pelos pais de alunos e  pelos mesmos, quando já se encontram no ensino superior.

Temos que lembrar que estamos diante de uma situação inédita, no Brasil e no mundo como um todo e que o melhor caminho é encontrar uma solução que seja justa para ambas as partes contratantes, pois todos nós estamos perdendo, diante da crise vivenciada por conta desta Pandemia do COVID-19.

Este artigo foi escrito com fundamentação e orientação de vários PROCONS e na Nota Técnica n.º 14/2020 acima mencionada.

Cenário atual :

Com a crise do COVID -19, as aulas presenciais, na educação básica e no ensino superior foram suspensas.

O MEC permitiu a utilização de ferramentas remotas de ensino para garantir a continuidade da prestação de serviços.

Alunos e pais têm se mobilizado para pedir um a redução no valor das mensalidades presenciais, pelo fato das aulas estarem sendo ministradas via ferramentas digitais.

É importante que os pais e alunos tenham conhecimento que existem diversos Projetos de Lei foram apresentados, tanto nos Estados quanto no Congresso Federal, que tratam sobre redução de mensalidade escolar ou universitária durante a crise do COVID-19, conforme veremos no quadro abaixo:

Por sua vez, o Ministério da Justiça e Segurança Pública Secretaria Nacional do Consumidor Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado​, baixou uma Nota Técnica n.º 14/2020, que traz um estudo estudo técnico elaborado  e que tem por finalidade tratar dos efeitos jurídicos nas relações de consumo, especialmente no tocante aos direitos dos consumidores que contrataram serviços com instituições de ensino, mas que viram as aulas suspensas em razão do risco de propagação de Covid-19 – “coronavírus”- declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em função das limitações impostas pelo governo federal, estadual e municipais na capacidade de instituições de ensino, de todos os níveis educacionais, de cumprirem a prestação de serviços, especialmente no que se refere a realização de aulas presenciais, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor tem recebido inúmeras solicitações e dúvidas de pais e responsáveis em relação à prestação dos serviços educacionais e ao pagamento de mensalidades escolares.

Em favor dos alunos temos os direitos assegurados pela nossa Constituição Federal, que são: a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV), solidariedade social (art. 3º, I) e a igualdade substancial (art. 3º, III). Além disso, a relação regida entre as partes contratantes (família/aluno/escola) é uma relação de consumo e protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual o consumidor é a parte mais fraca do contrato e existem princípios que regem esta relação consumerista, que são : princípio da boa-fé objetiva (art. 4º, III e at. 51, IV) e o princípio do equilíbrio das prestações (art. 4º, III, art. 51, IV, e 51, parágrafo primeiro, III).

O Código de Defesa do Consumidor, fundado na teoria do risco da atividade, estabeleceu, para os fornecedores (e as instituições de ensino aqui se inserem), como regra geral, a responsabilidade civil objetiva. A excludente de responsabilidade, elencada em seu corpo normativo encontra-se estabelecida no artigo 14, § 3º, no que se refere a serviços. A regra geral, expressamente prevista no Código, é a exclusão da responsabilidade em face das alternavas estatuídas no artigo 14, § 3º. Contudo, há posicionamentos admitindo as hipóteses de exclusão de responsabilidades decorrentes de caso fortuito e força maior, que são excludentes incorporadas pelo nosso Código Civil.

Como a lei consumerista visa proteger as relações de consumo, ocorrido o fato imprevisível e inevitável, após a colocação do produto ou serviço no mercado de consumo, haveria a quebra do nexo causal, e, portanto, não se podendo responsabilizar o fornecedor (leia-se escola ou universidade) por evento ao qual não deu causa, nem tinha como prevê-lo ou evitá-lo. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no tocante aos serviços, já tem matéria sedimentada, admitindo as excludentes de caso fortuito ou força maior nas relações de serviço, ainda que estas não estejam previstas como causas excludentes de responsabilidade no art. 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor.

A adoção da via judicial na discussão dos contratos de prestação de serviços educacionais deve conduzir, tanto por parte das instituições de ensino quanto para os consumidores, para a alegação de caso fortuito e força maior, o que poderia resultar no cancelamento dos contratos e em prejuízos enormes para a vida acadêmica de milhares de estudantes.

Por outro lado, o Covid-19 trouxe imensos desafios às relações de consumo, uma vez que atos de governo, dentro de sua discricionariedade, acabam por impedir a execução total ou parcial do contrato por atos alheios ao controle do fornecedor (instituições de ensino), classificando-se como caso fortuito e força maior, previsto no art. 393 do Código Civil e afetando ambos lados da relação.

De modo a evitar discussões judiciais em que cada uma das partes traria argumentos jurídicos consistentes e, sobretudo, o rompimento de contratos estabelecidos em diversos setores da economia, a Secretaria Nacional do Consumidor tem atuado no sentido de construir soluções negociadas em face da atual epidemia e das dificuldades operacionais dela decorrentes. As soluções encontradas têm se baseado em dois fundamentos:

i) garantir a prestação do serviço, ainda que de forma alternativa, quando for o caso, como primeira alternava de solução : Aqui, estamos tratando dos casos de escolas e universidades que disponibilizam para seus alunos aulas via sistema EAD, opção a) ou nos casos em que as férias forem adiantadas e as aulas forem oferecidas de forma presencial, posteriormente, opção b), garantido o seu adimplemento nos termos da legislação vigente do Ministério da Educação, que prevê carga horária mínima de 800 horas aulas e cumprimento do conteúdo estabelecido. Se houver meios de efetuar a prestação de serviço com qualidade equivalente ou semelhante àquela contratada inicialmente, essa é a melhor alternativa.

Nestes casos : a) oferecer a prestação das aulas na modalidade à distância e b) oferecer as aulas presenciais em período posterior, com a consequente modificação do calendário de aulas e de férias, fica evidente que não é cabível a redução de valor das mensalidades, nem a postergação de seu pagamento. É preciso ter claro que as mensalidades escolares são um parcelamento definido em contrato. O pagamento poderia ocorrer em parcela única, ou em número reduzido de parcelas. A grande maioria das famílias e estudantes optam por um pagamento parcelado, ao longo do semestre ou do ano, usualmente com periodicidade mensal. Essa questão é importante porque o pagamento corresponde a uma prestação de serviço que ocorrerá ao longo do ano. Não faz sentido, nessa lógica, abater das mensalidades uma eventual redução de custo em um momento específico em função da interrupção das aulas, pois elas terão que ser repostas em momento posterior e o custo ocorrerá de qualquer forma.

Por esse motivo, nem o diferimento da prestação das aulas, nem sua realização na modalidade à distância obrigam a instituição de ensino a reduzir os valores dos pagamentos mensais ou a aceitarem a postergação desses pagamentos. Muito menos, em tese, ensejariam o cancelamento imotivado do negócio jurídico. Vale lembrar que o pagamento é parte da obrigação contratual assumida pelos responsáveis e é condição para que os alunos tenham direito à reposição das aulas em momento posterior. Parar o pagamento poderia ser tratado como quebra de contrato, sujeitando os responsáveis ao cancelamento da prestação do serviço e a eventuais multas previstas. Além disso, vale repetir, o fato de as instituições de ensino não estarem arcando com certos custos em função da interrupção das aulas não autoriza a exigência de desconto nas mensalidades, uma vez que as aulas serão repostas em momento posterior e os custos se farão presentes ou serão necessários novos investimentos tecnológicos em função da disponibilização das aulas na modalidade à distância.

No caso de prestação do serviço em momento posterior, se as aulas forem repostas nos períodos tradicionais de férias, não será possível aos estabelecimentos de ensino efetuarem cobranças adicionais por esse motivo, uma vez que os pagamentos foram realizados normalmente e foram recebidos antecipadamente pelas escolas/instituições de ensino.

ii) garantir ao consumidor que, nos casos em que não houver outra possibilidade (quando a instituição de ensino não puder disponibilizar o sistema EAD ou não adiantarem as férias e oferecerem as aulas presenciais depois ou não puder repor as aulas de outra forma), seja feito o cancelamento ou desconto do contrato com a restituição parcial ou total dos valores devidos, com uma sistemática de pagamento que preserve o direito do consumidor mas não comprometa economicamente o prestador de serviço (instituição de ensino). A orientação do governo é para que sejam exauridas as tentavas de negociação do rompimento contratual, de modo a minimizar danos para todos os envolvidos na relação contratual de consumo, seguindo, nesse ponto a orientação adotada pelo Procon-SP, no sentido de sugerir que eventual reembolso de valores pela instituição educacional ocorra em momento posterior ao encerramento da atual quarentena e das medidas de combate à epidemia. Tal recomendação busca evitar que o cancelamento dos contratos e a obrigação de reembolso comprometa a situação econômico-financeira das instituições de ensino e, desse modo, possa comprometer o cumprimento dos demais contratos com outros consumidores.

Veja também: O que é EAP (Estrutura Analítica do Projeto)?

Como fazer no caso da Educação Infantil:

Se houver uma prorrogação do período de quarentena, de modo a inviabilizar a prestação do serviço em momento posterior no ano corrente, será necessário ajustar o contrato, com base na previsão de prestação dos serviços. Como bem indica a nota técnica do Procon RJ, se for “um contrato de prestação de serviço continuado, inviabilizado pelas medidas de isolamento, o consumidor pode, por exemplo, propor que o valor por ele pago no período de suspensão dos serviços, seja integral ou parcial, seja abatido posteriormente, por meio de descontos ou bolsas”. É o caso, por exemplo, dos contratos referentes à educação infantil, em que não se trata especificamente de cumprimento de conteúdo acadêmico, mas sim de atividades de desenvolvimento e de acompanhamento da socialização da criança. Em relação ao segundo fundamento, fornecer ao consumidor todas as informações disponíveis para a tomada de sua decisão de forma consciente e autônoma, muito importante que as instituições de ensino criem ou ampliem seus canais de atendimento ao consumidor, oferecendo todas as informações necessárias à tomada de decisão, seja ela qual for.

Nesse sendo, muito importante que as alternativas propostas pela instituição de ensino estejam acompanhadas de fundamentação normativa que garanta o aval do Ministério da Educação à solução proposta.

Nesse sentido, cabe ressaltar que certos cursos superiores – como os da área de saúde, por exemplo – que exigem atividades práticas, não poderão ter suas atividades efetuadas pela modalidade não presencial. Assim, é necessário oferecer soluções de postergação dessas atividades, cumprindo-se a carga horária obrigatória.

Vale destacar a possibilidade de utilização da plataforma Consumidor.gov.br como canal de busca de soluções, especialmente para redes de ensino de abrangência nacional ou com atuação em diferentes estados. Nesse sentido, recomenda-se aos grandes grupos educacionais que façam sua adesão à plataforma Consumidor.gov.br para facilitar uma solução equilibrada entre as partes considerando o momento atípico que estamos enfrentando.

Por fim, durante a epidemia em curso, entende-se que apenas nos casos em que não houver outra possibilidade de recuperação da aula ou utilização de métodos on line, seja feito o cancelamento do contrato ou pedido de desconto proporcional com a restituição total ou parcial dos valores devidos, com uma sistemática de pagamento que preserve o direito do consumidor mas não comprometa economicamente o prestador de serviço diante dos efeitos sistêmicos que possam inviabilizar a futura continuidade da prestação de serviços.

 

Recomendações do Governo:

Diante do contexto imprevisível que todas as relações de consumo estão enfrentando em razão do Covid-19, a Senacon por meio do Departamento de Proteção e Defesa da Consumidor recomenda que consumidores evitem o pedido de desconto de mensalidades, a fim de não causar um desarranjo nas escolas que já fizeram sua programação anual, o que poderia até impactar o pagamento de salário de professores, aluguel, entre outros. Sendo assim, as entidades de defesa do consumidor devem buscar tentava de conciliação entre fornecedores e consumidores no mercado de ensino para que ambos cheguem a um entendimento acerca de qualquer uma das formas de encaminhamento da solução do problema sugeridas acima (oferta de ferramentas online e/ou recuperação das aulas, entre outras), sem que haja judicialização do pedido de desconto de mensalidades, possibilitando a prestação de serviço de educação, de acordo com as diretrizes do Ministério da Educação.

Ao meu ver, enquanto articulista, a melhor solução é a negociação ou a renegociação entre as partes, do contrato ou das mensalidades futuras, seja com uma proposta por parte dos pais ou alunos para que haja uma prorrogação no prazo para o pagamento, desconto nas mensalidades enquanto durar a suspensão das aulas, ou com a diluição das mensalidades, ou com o pagamento das mensalidades faltantes ao final do ano letivo, bem como a retirada de multas, juros e correção, em caso de inadimplemento contratual, atentando-se que o contrato escolar possui uma função social.

Sugiro também que haja transparência da escola, mostrando ela uma tabela ou planilha com todos os custos que a escola demanda durante o mês, verificando-se onde e se houve diminuição de gastos nos meses que persistiram o isolamento social e o decreto de fechamento das instituições de ensino, repassando esta eventual diminuição para os alunos.

Atenciosamente,
Claudia HakimOAB/SP 130.783| Advogada especialista em Direito Educacional | Especialista em Neurociências e Psicologia Aplicada e Autora do livro “Superdotação e Dupla Excepcionalidade” da Editora Juruá | Sócia Fundadora do Instituto Brasileiro de Superdotação e Dupla Excepcionalidade
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